terça-feira, 12 de julho de 2011

Os filhos deste solo:Conheça a história de João Neponuceno

Escrito por: Kleber Henrique
Era fácil ver aquela figura baixinha, cabelos brancos, roupa bem engomada, no anexo da prefeitura velha, entre livros antigos do arquivo, a bandeira nacional e uma velha máquina de datilografia, mandar rapazes da zona rural voltar para casa para botar uma calça comprida e só assim fazer o alistamento militar: - Pode voltar pra casa e botar uma roupa!

- Mas seu João, eu sou de Cana Brava!
As colegas de trabalho diziam: - João, deixa só essa vez, o coitado, voltar aquilo tudinho.
- Não, num tem conversa não! É por isso que esse país não anda!
Era um funcionário corretíssimo, querido pelos colegas de trabalho que o chamavam carinhosamente de “bagaço”. Era uma figura tão doce, que quando eu era criança me perguntava: - E aí, vai passar nos estudos?

- Acho que vou seu João.
- Se passar, no fim do ano venha aqui que eu lhe dou uma garrafa de cocada.
E eu, inocente ia, mas a garrafa ficava sempre para o outro ano e se passasse de novo na escola, só depois é que percebi que cocada não se vende em garrafas, mas estudo é para sempre.

João Lino Nepomuceno – Funcionário público honesto, um patriota, um vicentino.
João Lino Nepomuceno, nasceu em 31 de março de 1911, na antiga Rua do Rosário ou ruinha como era conhecida a atual Rua Alcedos Marrocos. Filho de Josefa Maria da Conceição, conhecida por Josefa Lino. Em seus escritos, João Lino não cita o nome do seu pai, como também nunca o revelou a seus filhos, foi criado apenas pela mãe. Talvez seu pai fosse uma figura importante ou mesmo ele não o reconhecesse como tal por tê-lo abandonado.

Sua infância foi marcada pelo trabalho para ajudar a mãe, como colocou em texto: “Fui criado trabalhando, vendi bicho, apanhei café. Quantas saudades tenho do meu antigo São Vicente, com suas pequeninas ruas (...) era um paraíso onde se vivia a vida, à noite os velhos sinos da igreja, quebrando o silencio da noite com suas nove badaladas, o som estridente da turbina do Major Filomeno, empregada no beneficiamento do café. Era uma alegria para a garotada tomar banho no rio com suas águas limpas, sem poluição, o som do escape do motor de seu João Araújo, que fornecia energia elétrica para nossa pequena vila, cinema mudo, depois falado, o famoso banho do Fundo da Mala, hoje abandonado pelos poderes públicos, que não tem visão do que é belo (...) este foi o São Vicente que conheci e tenho saudades, onde hoje ainda existe o velho sobrado do velho Chico Padeiro, com suas velhas portas cheias de buracos de bala disparadas pelo sargento Bode Rôco, que dormia no térreo do sobrado, quando um gaiato bateu a porta e disse que era o famoso cangaceiro Antonio Silvino”.

Em meio ao trabalho, conseguia tempo para estudar, estudou em escola pública, pertencente ao Município de Timbaúba, apenas o primário incompleto, escola regida pelo professor José Elói Pereira Lima, ensino tradicional, ainda com palmatória, mas deixou claro que devia tudo que sabia a esse mestre. Quando bem moço foi oficial de alfaiate do Mestre Brito, depois auxiliou o saudoso Mestre Patrício Gomes de Andrade.

“Em 1928, o Coronel João Francisco, com suas influências políticas com o governador de Pernambuco Dr. Estácio Coimbra, conseguiu a criação do Município de São Vicente, foi uma grande festa, veio da Paraíba o Dr. Belino como orador, por ser de famílias ilustres de São Vicente. Pouco tempo depois, o cenário brasileiro entra em ebulição com as disputas entre Perrepistas (Partido tradicional ligado ao pacto café com leite) e Liberais (adeptos da Aliança Liberal) e tudo isso descambará na “Revolução de 30”. João Lino retratou textualmente a revolução aqui: “Nossa cidade foi ocupada pelas forças revolucionárias do Capitão João Guedes. A prefeitura era instalada na Rua do Comércio, hoje Rua João Pessoa, onde antes era a loja de tecidos Lupércio de Moura “A VIOLETA”, quebraram o retrato do prefeito e vice e dos conselheiros e tudo quanto existia nos cofres desapareceu”. Passada a revolução, Getulio Vargas é empossado presidente do país.

Revoltado com Getúlio, ainda bem jovem, João Lino filiou-se ao Partido Integralista (uma versão abrasileirada do Nazi-Fascismo), ele coloca em texto: “Na política não tive sorte, o primeiro partido que ingressei foi o INTEGRALISMO, éramos conhecidos por camisas verdes, dado seu crescimento, foi extinto em 1938, pelo ditador Getúlio Vargas, como mentiras e calúnias”.

João Lino escreveu sobre os resultados da revolução aqui: “Começou as intrigas políticas que resultou na morte do chefe político da Aliança Liberal, aproveitando a situação de medo dos dirigentes do município, ajudados por elementos da terra, conseguiram fazer a transferência da sede do município de São Vicente Férrer para a vila de Macapá até 1936 (...) São Vicente perdeu sua autonomia, ficando Macapá com o nome de Macaparana e São Vicente como Vila Manoel Borba, obras do escritor Mário Melo, nossa vila ganhou esse prêmio de consolação.

Em fins da década de 1940, início dos anos 50, o deputado estadual Pio Genésio Guerra, lutou ardorosamente pela emancipação do município, até que em 30 de dezembro de 1953, viu seu projeto aprovado pela Lei 1818, no governo de Etelvino Lins. Aqui em São Vicente, a prefeitura foi instalada na Rua 24 de outubro em 26 de julho de 1954, e nomeado Benigno de Moura, seu primeiro prefeito.

Seu João Lino relata sua convocação para compor o primeiro quadro de funcionários municipais: “Aos 25 do mês de julho do ano de 1954, estava eu dando acabamento nas peças de roupa que acabara de confeccionar, quando apareceu o cidadão Benigno de Moura, que se mostrava como um grande amigo meu, assim provou, me convidando para compor o seu quadro de funcionários na prefeitura, aceitei na hora, tomei posse no dia 1 de agosto como porteiro – arquivista. Era uma repartição pobre e humilde como seus funcionários. Emoção senti quando peguei a caneta para assinar o meu termo de posse e a repetição das palavras do meu termo de compromisso, sabendo que naquela hora já não era mais o mesmo João sem responsabilidade, tinha assumido um compromisso, e haveria de cumpri-lo até o fim (...) recebia das mãos do prefeito a chave da repartição, de zelar por tudo que existia: duas mesas velhas, dois bancos velhos e desconchavados, cinco cadeiras de vime velhas, uma máquina de escrever caindo aos pedaços que veio de Macaparana como prêmio pelos 23 anos de exploração de impostos pagos por esta gente sofrida que a nada tinha direito”.

Em seus escritos, quando relata os primeiros anos de serviço, João Lino, coloca-os como os melhores tempos, o companheirismo dos colegas, a honestidade dos governantes. Seu desencanto começou a partir da terceira gestão como o próprio descreveu: “Eleito o Sr. Sandoval Maranhão do Egito, começou as perseguições políticas, demissões e roubismo, como consta no arquivo da prefeitura. Foram contratadas mais sete funcionários (...) são Vicente até a presente data (1987) foi governado por dois prefeitos vicentinos, Benigno de Moura e Dr. Laete Ribeiro do Egito, o resto foi uma feijoada exportada”.

Continua: “Ser prefeito hoje é uma maravilha, tem de tudo, carros (para) e outras mordomias, ainda hoje me lembro do saudoso prefeito José Gomes de Andrade quando terminou a construção da prefeitura, que se arrumou o gabinete do prefeito e ele rejeitou na hora, dizendo que não ia despachar no gabinete, e sim, junto dos funcionários que adorava e com ele eram sinceros. Ser um funcionário da prefeitura hoje é desfrutar a galinha dos ovos de ouro, não passaram o que os primeiros funcionários passaram (...) calados dentro da prefeitura, assumindo inquérito policial, sem nada ter a haver com as denúncias, momentos até de choro, cofres e portas seladas, tudo na base de ver, ouvir e calar, pois não se podia conversar”.

Os últimos momentos da vida desse vicentino foi sentir sua condição existencial: “Asco é o que sinto quando chego a esta repartição e me lembro de anos atrás, era todos por um e um por todos, não havia cochichos, não se tratava de política, mais hoje mudou e mudou muito, os funcionários hoje vivem como na antiga Roma, querendo se degladiar (...) Não vale a pena ser desonesto e adquirir bens materiais, enquanto está sujo diante daquele que te botou no mundo (...) Ingratidão é a irmã gêmea da injustiça, esquecem que a prefeitura cresceu com os esforços de seus primeiros funcionários, que lhes deram sua juventude, que acabou com suas saúdes, aqueles que assim fizeram, continuam pobres, não dá graça de Deus, vivem mergulhados na solidão, mas tem a honra de baterem no peito e dizerem: Fui honesto, apesar da honestidade não servir de exemplo para os homens (...) hoje aposentados pelas Leis feitas pelos homens, os direitos dados pelos homens, um salário de fome, o que mais me revolta é o desprezo, a falta de atenção, vivemos como boi de cambão, quando não presta mais, açougue ou recanto de cercado, estes são os prêmios para aqueles que se esforçaram em serviço público: Desprezo, injustiça e ingratidão”.

Ainda em seu rico texto, seu João nos mostra o desencanto com vida social: “O meu São Vicente antigo era outro, podia chegar uma pessoa de fora, tinha com quem conversar, dialogar, antes encontrava-se: Seu Fraterno de Arruda, Major Filomeno, Nestor de Moura, José Targino de Andrade, Augusto de Andrade, Bernardo do Egito, João Inojosa, hoje se encontra um povo sem inspiração, os jovens que são a esperança do amanhã, vivem todos viciados”.

Seu João Lino viveu a vida modestamente em sua pequena casa da Rua Alcedo Marrocos, teve 10 filhos com sua esposa Quitéria da Silva Nepomuceno, deu educação aos filhos e de todos recebeu carinho e atenção até seus últimos momentos de vida. Em meio a tudo que sentia, era uma figura muito alegre, divertido em suas conversas e muito atencioso a todos. Com 89 anos, no dia 14 de setembro de 2000, seu João nos deixou, mas o seu exemplo, nos mostra que honestidade não é uma utopia.

Em meio a tudo que deixou escrito, faz sua reflexão pessoal e dá o recado aos homens:

“Se houvesse honestidade entre os homens e um pouco de compreensão, o mundo seria outro, se os povos se dessem as mãos não só na igreja, tenho a pura certeza que nós tínhamos um mundo melhor”.


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